terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O rato

Febrão de quase 40 graus, ânsias, tremores e calafrios.
O que fazer? Pronto Socorro.
Fila de espera. E pelo visto, muita espera.
Na Tv, passava o antigo Johnny Quest. “Puxa a D ia gostar de estar aqui vendo”.
Mas que canal é esse que em casa não passa mais esses desenhos da velha guarda?
Ah, pouco importa. Eu vou tomar umas 3 injeções e uma bolsa com uns 10 litros de soro mesmo. Isso sim importava.
Começou chuviscos na tela.
- Pois é, mais essa. O dia vai ser longo. – disse para um rapaz, aparentando ter uns 20 anos ao meu lado.
Ele quis me responder algo, mas seus olhos estavam correndo de um lado pro outro.
Fixou num ponto e quando ninguém apareceu ou notou, ele disse: “Preciso sair daqui...”.
- Hãm? – foi minha resposta em modo padrão ativado e adorando papos alheios.
- Acho que vou correr daqui.
Que ótimo. Um autista alucinado ao meu lado.
- Vou escapar pelo ralo.
OOOOOOOOOOPA! Isso muito me interessa. Será que eu tô ouvindo vozes?
- Que isso amigão, jajá chamam você. – Surpreendi.
- Se eu entrar lá, vão me descobrir.
- Hm, você ta bem? – Porra, eu to delirando de febre. Minha blusa toda suada, to tremendo, mal consigo falar. E me aparece um foragido do manicômio.
Olhei fixamente para o ralo e esperei ele olhar pra mim. Olhei pra ele e pro ralo. Ele entendeu.
- Eu sou um rato.
Tudo que eu fiz foi apertar com força meus lábios e levantar as 2 sobrancelhas. “Problemas”.
- Certo, certo... E você não quer ser atendido?
- Eles vão me descobrir porra.
- Fica sussa – disse com certa dificuldade. – Eles vão te ajudar.
- O ralo mais perto é aquele do banheirinho.
- Você ta sozinho? – insisti.
- Me pegaram na rua e me trouxeram aqui. Mas se eu entrar lá, vão ver que sou um rato.
- Puxa vida. Então corre pra fora amigão!
- Daí eles me pegam de novo. A saída é pelo ralo.
Ok. Me chamem logo, tá doendo as costas toda. Tô ouvindo vozes. Quero ir para casa logo.

O sujeito estava mal vestido. Moletom, chinelos com os dedos encavalados, escuros e sujos para fora da sandália.
Chamaram mais duas pessoas, mas nenhuma era eu ou o “rato”.
A barba dele estava por fazer.
Não quis ficar reparando, mas acho que ele tinha umas tatuagens no braço.
Engraçado, mas nos poucos minutos em que ficamos em silencio pensei na história do sapo que virava príncipe.
Esse aqui coitado, devia ser o mendigo.
A mulher abóbora, musa da laje da Rocinha, deve ter beijado o rato e deu isso.

Não ouvi com clareza, mas foi algo que terminava com “enquim”.
- Puta merda, me chamaram.
Acho que esse porra vai é quebrar tudo lá dentro.
Será que ele vai roubar o médico?
Meu, que loucura. Nada aqui tem sentido.

Eis que o senhor ratolândia se levantou e muito sem-graça foi se arrastando pra além da porta alá saloon bangue-bangue, sob dezenas de olhares. Entre eles, de alguns doutores.
“Que seja feliz” pensei.

Passando agora Herculóides, os riscos e chuviscos já até faziam parte do desenho.
Olhei e nada de revistas para ler.
Opções escassas.
Minha febre parecia ter melhorado muito. O problema era os calafrios momentâneos e o suor impregnado.
Uns oito minutos depois... eis que o nome mais aguardado é pronunciado!
Eu já nem lembrava da dor que era caminhar com esse mal estar todo.

Como o maluquete não deu o ar da graça voltando pela porta, ou ele foi internado com uma camisa de força ou ta lá dentro e toca eu ter que papear com a demência em pessoa de novo.

Após um exame superficial, constatou-se que estava com amidalite. Uma inflamação crônica na garganta, nessa altura já lotada de pus.
Eu meio que me preocupei na cacetada de grana que ia ter eu gastar com remédios, mas o doutor me alegrou, se é que essa palavra tem esse significado...
- O senhor leva essa guia até aquele primeiro balcão a sua esquerda. Será medicado com um soro, dramin, antak, dipirona e plazil.

Puta merda, vou ser massacrado com agulhadas. Mas não tinha jeito. Melhor isso e sair inteiro que o coitado do mickey mouse que deve ter saído amarrado.

- Aguarde o senhor sair do banheiro ali na frente, abaixe a bermuda para tomar uma injeção na lombar.

Que ótimo. Terei que mostrar a bunda pro plantonista.
Justo eu que coloco bermudão na praia.
Eu mereço.

Dois minutos. Nada.
Três, bati na porta.. Nada.. quatro, cinco. Forcei o trinco e estava trancada por dentro.
O coitado devia estar com diarréia.
Já vi tudo. Eu tomar injeção na bunda, num ambiente um por um metro, cheirando milho estragado (com bastante amônia) enquanto me preparo para o coquetel salvador na veia.

- Viu, a porta não abre e acho que não tem ninguém.
O rapaz do avental chegou e forçou com mais determinação.
Ficou constrangido por não ter aberto, e deu uma segunda ombrada.
“Maravilha será ele deslocar o ombro e ter que tomar injeção também”, pensei.

Um segundo avental branco se aproximou e sei lá Deus o que fez q a porta abriu.
Ficou segurando o trinco com a madeira entreaberta, a luz acesa e por incrível que pareça, cheirando álcool.
Pelo olhar, vi que era para eu entrar.
Vi não, percebi.
Pois no exato momento em que meu olhar baixo buscava minha bermuda, o que eu vi mesmo foi que o ralo estava solto.

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