quarta-feira, 20 de junho de 2007

O primeiro (e o último)



Ato 1 - Fôlego

Desde 94 escrevia muito. Tentava perpetuar lembranças inseguras e dizeres importantes à minha alma.
Muita coisa se perdeu. Algumas eu guardei.
A intenção a partir de hoje é intercalar pensamentos, dizeres, fatos, idéias, citar passagens para que o mundo cyber se engarregue de propagar.

Postarei um texto que escrevi numa rápida reflexão.


Ato 2 - O Silêncio


Todos espiando, a fiel companheira ao lado, até o último minuto, ao lado.

Alguns entram, desviam-se dos galhos. Olham rapidamente as cabeças baixas. Uma a uma, os focos perdidos vão percorrendo a sala, os objetos, as expressões. Muitos, nem conhecidos são; só querem entrar e ver se dentre tantos, alguém, se não a própria razão do encontro, és conhecido. Talvez um amigo de longas datas. Um que o jornal já falou, vale vizinho, tio do colega e até atleta.

Ninguém.

Se ele foi alguém, parece que em alguma fração, ele será ninguém. Ou como diria Exuperry, uma velha casca.

Os bons tentam forçar, idas e vindas, imagens daquele sorriso. Daquela força, daquele aperto de mão. A barba por fazer. O perfume que não fará mais parte desse campo não tão mais florido.

Face fechada. Olhar cabisbaixo. Preocupação. Agora é pra valer. Contas e problemas serão mais que um pesadelo que se insiste em se realizar.

Os lábios de três ou quatro se movimentam tanto que parecem conversar. Sem voz. Profundo silêncio. Todos estão conversando, sozinhos.

O último adeus. Lembre-se. Os próximos 8 segundos ficarão impregnados na sua mente até um dia faltar seu oxigênio.

Eu nunca vejo. Quero guardar aquela covinha que tanto me cativou.

O ato final.

Andamos por quase quinhentos metros. Poxa, é meio quilômetro. Isso pouco interessa. Aliás, o que interessa?

A cada passo dado, a sola do sapato de alguém a frente estala no chão. Eu consigo escutar uma folha cair a pelo menos cem metros dos meus joelhos.

O silêncio chega dar medo. A fila indiana prossegue. Não tem como parar.

Ouço o frio, o vento ricocheteando as tenebrosas faces, num amargo sol que não esquenta.

Estamos perto do fim. Os últimos da fila já estão trocando sílabas pronunciáveis com seus passos tão lentos que quase conseguimos identificar as âncoras acorrentadas em suas pernas. A barra da calça suja de terra batida vai estacionando.

É agora.

Olho o horizonte. Centenas de desconhecidos, fotos, medalhas, dizeres, tanta história, tantas vidas, quanta tristeza.

Os primeiros da fila não sentem mais os passos. Se o soldado da liderança marchasse por mais 2 dias, iriam atrás. Não importa mais a distância. Não importa mais o tempo. Não importa mais quem ficou lá trás. Não importa se barra está suja;

Um borrão em que o verde e o azul quase se assemelham ao molhado preto. Ao negro sol que está morrendo.

O último adeus. Lembre-se. Os próximos 4 minutos serão os últimos em que carne é vida. Respiração é saudade. Temperatura é segurança.

Eu quase nunca vejo. Rezo e peço para Deus confortar os que aqui ainda amam.

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